Novo: o fazer, (des)fazer e (re)fazer o comum na Escola
11 - O FAZER, (DES)FAZER E (RE)FAZER O COMUM NA ESCOLA
As transformações na instituição escolar nas últimas décadas confrontam os professores com o problema prático de construção da ordem escolar (Resende, 2010; Resende e Caetano, 2012), isto é, de uma ordem (re)composta de acordo com uma dada distribuição das grandezas que fundam o que há de comum entre os seres que a habitam. Enquanto a massificação escolar, num contexto de democratização, apela a uma autoridade cuja legitimidade está cada vez mais sujeita a uma pluralidade de provas, e sendo a socialização política dos alunos menos ajustada à ordenação das grandezas que anteriormente enforma o seu espaço, os recursos de autoridade reduzem-se às capacidades argumentativas, relacionais e atuantes dos atores, de uns com os outros (Dubet, 2002).
O trabalho do professor não consiste em aplicar as regras e as normas de um estatuto, uma vez que este papel não permite por si só assegurar a ordem escolar dentro da sala de aula. Ele deve em particular fabricar uma relação escolar que não lhe preexiste totalmente (Dubet e Martuccelli, 1998), e atuar em sua conformidade de modo a reduzir, sempre que possível, os efeitos nefastos da ambivalência dos seus gestos que aparecem imbrincados nos regimes de envolvimento das ações recíprocas entre estas duas distintas grandezas.
A exigência do respeito por parte dos alunos sugere expectativas de reciprocidade, de negociação e de horizontalidade na relação construída com as figuras dos adultos – e particularmente com os docentes. Ela é uma demanda pelo reconhecimento, pelo entendimento daquilo que há de comum entre uns e outros no espaço escolar; um processo com caraterísticas sempre flexíveis para a cooperação segundo diferentes princípios de justiça (Resende e Caetano, 2012). A adesão dos alunos, sem prejuízo para o pressuposto da autoridade do professor, depende do reconhecimento por parte dos docentes desta necessidade de construção de compromissos.
Conforme Ricoeur (2007), na dádiva do reconhecimento mútuo, as questões da autoridade legítima têm necessariamente de ser tidas em conta. Se o reconhecimento decorre do cumprimento das exigências de respeito mútuo, de estima social, esta exigência pode ser concretizada num estado de paz – sem recurso às alternativas da luta e da violência. Aventa o caso das práticas de troca de dádivas mútuas. Nestas trocas, a gratidão assume um papel central para o estabelecimento de uma relação de mutualidade. Na resposta a uma dádiva, a reciprocidade não decorre de forma automática – não existe necessidade mecânica de reciprocar. É nesse sentido que a prática de trocas de dádivas e deveres mútuos coloca em visibilidade, segundo o autor, dois aspetos fundamentais, interrelacionados, do reconhecimento mútuo.
As relações verticais de autoridade nas disputas pelo reconhecimento mútuo constrangem as possibilidades de mutualidade – sem contudo colocarem um entrave à própria possibilidade de reconhecimento mútuo. Eis aqui uma outra entrada do olhar sociológico para questionar, e compreender, estas outras arquiteturas de como se faz o comum na escola. Um mergulho etnográfico mais extensivo, e desse modo, mais intensivo, nos espaços que compõem os estabelecimentos de ensino vão-nos ser úteis não só para compreendermos as artes de tecer o comum, os seus fundamentos, as provas de força (Dodier, 2005) a que são sujeitos.