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Paisagismo comestível é uma ferramenta de combate à fome, diz pesquisadora
Pós-Graduação
A aula inaugural das pós-graduações em Arquitetura e Geografia aconteceu no auditório Miguel Ramalho, no Campus Campos Centro. Foto: Raphaella Cordeiro
O Brasil voltou ao mapa da fome em 2018, segundo a ONU. A paralisia da economia e o desemprego de mais de 13 milhões de brasileiros colaboraram para o retorno dessa chaga que persegue o país desde o seu descobrimento. Um dos caminhos para amenizar os efeitos dessa crise social é implantar nas cidades o paisagismo comestível, área de estudo da professora doutora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Rita de Cássia Martins Montezuma.
Montezuma ministrou a aula inaugural dos cursos de pós-graduação de Arquitetura das Cidades e de Geografia, no auditório Miguel Ramalho do IFF Campos Centro, na sexta-feira, dia 17 de maio, e desenvolveu o tema para alunos e servidores.
“Na verdade, é um paisagismo que colabora no combate (à fome). Ele sozinho não combate. A gente vai precisar muito mais do que isso, é necessário pensar as cidades de uma forma mais equitativa e justa socialmente”, disse.
O reitor do IFFluminense, Jefferson Manhães, assistiu à aula e disse que hoje é preciso humanizar mais as cidades para as próximas gerações.
“Estamos na pós-graduação sem perder a nossa referência histórica, o nosso papel político, de estar formando uma quantidade expressiva de jovens e trabalhadores na educação profissional básica”, afirmou.
Participaram também do evento o pró-reitor de Pesquisa, Extensão e Inovação, Vicente de Oliveira, o diretor de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação do Campus Campos Centro, Jonivan Lisboa, a diretora da Pós-Graduação, Simone Vasconcelos, e a coordenadora da Pós-Graduação, Danielly Cozer Aliprandi.
Quais as reflexões foram exploradas em sua palestra?
Rita de Cássia Martins Montezuma: É um trabalho que nós estamos desenvolvendo lá na UFF, que é sobre o que a gente chama de paisagismo comestível. Na verdade, é uma proposta de paisagismo que vem ocorrendo em diferentes lugares no mundo, notadamente vem vindo do hemisfério norte, como Europa e Estados Unidos. E essa proposta é de se fazer um paisagismo que seja mais inclusivo. O sentido de ele ter não apenas um caráter estético, mas também apresentar um caráter de integração com espécies que sejam úteis de interesse humano.
Particularmente, eu trago uma reflexão no sentido de pensar as nossas áreas e isso contempla não só o Brasil, mas América Latina e Caribe, justamente por serem áreas em que durante o processo de urbanização- aliás, inicia-se desde a colonização- foi criada uma condição social de forte estratificação. Então, a gente tem populações famintas, que vivem abaixo da linha de pobreza, populações em que o acesso à quantidade básica de calorias para sobreviver não é equitativo. Como pensar em paisagismo restringindo-o apenas à sua dimensão estética? Eu acho que com essa proposta a gente também contempla uma dimensão social do paisagismo.
Nesse sentido, ele vai coadunar duas grandes situações extremamente importantes. Uma é a questão ambiental, e a outra a questão social. Por isso que é uma proposta socioambiental. Do ponto de vista ambiental, quando você integra espécies que podem ser utilizadas como produtos alimentícios, você possibilita que essas espécies sirvam de alimentos não só para espécie humana, mas para um conjunto de espécies que estão ali presentes no espaço urbano.
E o espaço urbano, dado a sua forma, composição e estrutura são espaços que você tem uma redução dessas características. Então na nossa proposta eu parto do princípio de que importa preservar aquelas áreas que ainda são remanescentes dos ecossistemas nativos em que se tratando de áreas de expansão urbana eles estão presentes, ainda que antropizados, mas também criar uma possibilidade de integração desses espaços com outros espaços que a gente chama de verde urbano dentro das cidades.
Esse verde urbano vai desde a arborização urbana, passa por parques urbanos e unidades de conservação, mas passa também por espaços privados que poderiam ser áreas de jardins e até os quintais que são muito presentes em áreas periféricas. Então, quando você cria essa interlocução, você cria um fluxo de espécies que podem não só interligar essas áreas, fazendo com que muitos desses ecossistemas possam fortalecer o seu caráter de autorregeneração, mas como também você possibilita que a população carente usufrua dessas espécies presentes.
É, então, um tipo de paisagismo que irá combater a fome do Brasil?
É uma utopia, mas a gente precisa de utopias. Na verdade, é um paisagismo que colabora no combate (à fome). Ele sozinho não combate. A gente vai precisar muito mais do que isso que é necessário pensar as cidades de uma forma mais equitativa e justa socialmente. É no sentido de integrar as formas urbanas onde você tem uma população que é carente e que ela tem o direito a utilizar o seu território de uma forma mais inclusiva na sociedade e na cidade. A gente está falando de formas de espaços produtivos, na forma de quintais ou na ressignificações desses quintais, as lajes, as varandas. E às vezes são espaços minúsculos onde pequenos vasos têm alguma forma de subsidiar as necessidades dessas famílias carentes.
Quando eu falo isso, faço a proposição do planejamento das cidades valorizarem essas áreas. Em vez de tornarem moeda de troca para o mercado imobiliário, por exemplo, elas serem consideradas territórios de existência e produtivos. Ao mesmo tempo, quando você faz isso, passamos a respeitar práticas sociais que estão sendo alijadas do espaço urbano por não serem consideradas apropriadas para ele, como é o caso de agricultores que estão tendo seu trabalho substituído por não encontrar espaço para praticá-lo.
O paisagismo comestível também pode ser uma ferramenta para ajudar a saúde pública.
Sem dúvida. Porque nesses espaços produtivos, e eu falo que a categoria não é só alimentícia, pois é um grande guarda-chuva que irá abrigar várias categorias de uso. Por exemplo, nos quintais você vai ter a farmácia, portanto, a saúde, o subsídio alimentar, a medicina, o simbólico, o cultural, a relação de troca com a vizinhança.